domingo, 7 de setembro de 2008

Da casinha



Na noite, espera o claro. Põe-se em alerta quando o galo canta. A vista para a casa vizinha remonta expectativas diárias. Ruídos são eminentes e o trinco da porta não tem mais sentido; o ar é suspenso. A abertura lenta atormenta e acalma. Os olhos agora são imãs. Os pêlos arrepiados fazem moldura para um corpo trêmulo. O sol, então, vai beijando o chão e iluminando os pés daquele que a faz feliz. A barra da calça vai surgindo, conforme os raios tomam conta. Como água que corre, as pernas vão aparecendo em meio à escuridão da qual ele surge. A cinta de couro, num bordô fogueira, apresenta a camisa, hoje marrom fechado. O cenário da aparição diária é tão inédito quanto o de ontem. Os metros de fronteira diminuem gradualmente. O desejo do toque ascende. As passadas dele são largas e firmes. As dela, raras e fortes. A distância quase se anula; parecem levitar no enamoro da cena e surge o auge rotineiro. Pausa.
Apressado, ruma para a garagem, tomando o carro como quem mata a sede. Agora, só o sal do choro dela no chão; a tina pálida com ração, a coleira sem furos, apertada...


Tássia Búrigo

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Tássia!
Gostei muito do texto quando lê-se.
E o trecho final,que além de não matar a surpresa,ficou bastante poético. Parabéns.

Um abraço e boas letras.

Douglas