sexta-feira, 29 de agosto de 2008

SOL DE FEVEREIRO

Amanheceu como sempre, nada muito novo, nenhum desespero, a vida se arrasta, debaixo do sol de fevereiro. Caras, surfistas, alguns sonhadores, alguns bateristas. Algumas flores mal plantadas. Água salgada a escorre pelo corpo, cabelo embaraçado, nenhuma preocupação. Sexo, drogas, amores e amantes. Tudo faz sentido naquela música depois de um fora, são cordas e arrependimento, o mundo se acaba e repara tudo quando ele passa, pois quando ele passa já não é mais verão ou não.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Resposta ao invisível

Saí às 7:15 de casa. O vô me deu carona até o centro.
Eu me sinto amada. A fase em que duvidei do teu amor por mim já passou há muito tempo. Minhas dúvidas agora são outras.
Pena tu não ter me encontrado hoje. Também acordei querendo te ver. E passei o dia todo ontem querendo te ver.
Esperei por ti. Tu não veio. Te procurei. Não te achei. Resolvi me misturar aos estranhos numa sala de cinema. Saí no meio do filme.
Simplesmente não conseguia ler, nem entender, nem enxergar nada nem ninguém. Tua imagem ocupava a minha mente.

Nos vemos daqui a pouco.

(Escrito em 06/02/2008)

sábado, 23 de agosto de 2008

Sr. Dengue

O vídeo estava acabando, e as pessoas ali presentes estavam animadas. Sábado, tarde de calor gostoso para estar em qualquer outro lugar, menos ali, preso numa sala para uma palestra sobre dengue. Fazer o quê? Mas até ali estava tudo bem. O palestrante se mostrava muito dinâmico, engraçado até. E também, dengue era um assunto sério, e havia casos confirmados na cidade. O sol brilhava bonito naquele dia. Havia mesmo um gosto de natureza dentro daquela sala. Até um boi mugia lá fora, só não sabiam onde.

Mal o vídeo havia acabado, uma animação muito divertida e instrutiva, e adentrou a sala alguém fantasiado de mosquito da dengue. O espanto foi geral, dado que a fantasia se aproximava do real. É, a tarde valeria a pena, se valeria. Até o palestrante estava surpreso com a presença daquele sujeito, um mosquito gigante da dengue. Só gostaria de ter sido avisado para incluí-lo na fala. Mas, tudo bem, afinal, tarde de calor gostoso, era importante prender a atenção de todos.

- Boa tarde, senhor mosquito da dengue!
- Senhor Dengue, por gentileza!
- Claro, claro! Mas, diga para nós, o que veio fazer aqui?
- Mostrar o que um mosquito da dengue é capaz.
- Ótimo! Então nos mostre.
- Um voluntário, por favor!

E lá se foi uma. Súbito um “ó” uníssono na sala. O Sr. Dengue havia sacado uma espada que trazia debaixo duma capa vermelha.

- É japonesa!
- É de toureiro!

Era uma espada. O súbito seguinte foi dum silêncio aterrador. A espada estava no ar, sangue escorrendo pela lâmina, e a cabeça rolando pelo chão.

- E ela nem soube se a espada é japonesa ou não!
- Preciso de mais um voluntário, por gentileza.

Claro que ninguém se ofereceu. Estavam em dúvida sobre o que acabavam de ver. Nisso um dos presentes juntou a cabeça do chão e a apoiou na palma da mão. Não estava entendo aquilo, e fitou muito seriamente aquilo que há pouco estivera grudado no pescoço de alguém.

- Diga algo, por favor! – pedia o Sr. Dengue.
- Ser ou não ser, eis a questão!
- Não é original, mas serve.

E a espada mais uma vez pairou no ar, o sangue escorrendo. Daí as pessoas começaram a desconfiar que algo não estivesse muito bem. Na dúvida, alguns se afastaram para os cantos. Houve quem pensou em sair da sala, mas o Sr. Dengue estava próximo da porta. Então, melhor esperar.

- Outro voluntário!
- Sr. Dengue, me permite?
- Claro, quer ser o próximo?
- Depois. Agora eu só quero saber se é para perder a cabeça também?
- Claro que é! Todos vão perder a cabeça hoje. Ei, não é engraçado? Alguém aí nunca perdeu a cabeça?

Timidamente dois ou três levantaram a mão. Um deles, o que estava mais próximo, perdeu a mão junto com a cabeça. Aí o pânico finalmente se instalou. Uma gritava histérica.

- Tá gritando muito mal. Melhora isso!

Melhorou.

- Agora pode perder a cabeça.

Lá fora o boi continuava a mugir, vez por outra. Ali dentro, ninguém sabia o que fazer. As cabeças rolavam. O sangue banhava o chão.

- Que nojo!

Era o Sr. Dengue. Ele tinha problemas no estômago quando via sangue. Pelos cantos as pessoas tentavam uma explicação para aquilo. Um chorava por ter matado o gato da mulher, e não teria tempo de pedir perdão. Outro lamentava não poder publicar um livro que preparara com tanto carinho e esforço. Outra, que odiava seu irmão, desejava que ele estivesse ali para defendê-la. Uns ficavam mudos, perplexos. Enquanto isso...

- Preciso de mais voluntários, por gentileza!

Ficou um jogo de empurra-empurra. Mas as cabeças continuavam a rolar. Num dos cantos uma surpresa: teve uma que soltou um palavrão. Ela nunca tivera coragem de dizer um. Disse-o, pois julgava que ninguém sobreviveria àquilo. Então, ninguém saberia. Foi então, claro que depois de mais cabeças e do boi mugir lá fora, que alguém tentou conversar com o Sr. Dengue.

- Sr. Dengue!
- Pois não!

Sempre educado e prestativo.

- Talvez possamos conversar. Talvez o Sr. precise conversar com alguém. Que acha?
- É aquela conversa sobre eu ter sido um menino mal amado?

Conversa rápida. Cabeça rolada.

- Dorotéia!
- Quem é Dorotéia?
- É a mulher que eu amo! E nem vou ter tempo de dizer isso a ela. Dorotéia, tu me traiu, mas eu te amo, eu preciso de ti! Dorotéia!
- Ai, meu ipê! A natureza vai perder se eu morrer. Eu preciso plantar meus ipês!
- Eu preferia enfrentar um ventuim. Não! Eu preferia enfrentar um ventuão!
- Eu preferia que as traças me comessem, elas que comeram os meus livros. Elas têm cultura, eu sei disso. Morreria feliz.
- Ele não pode fazer isso! Ainda se não houvesse elevador parado no mesmo...
- Isso de cortar todo mundo com uma espada é coisa de machista. Olha só o símbolo. Não respeita nem as mulheres.

E as lamúrias prosseguiam. E teve uma que mijou num dos cantos da sala. E a urina se misturava ao sangue, e o Sr. Dengue já estava quase vomitando. Noutro canto, outro improvisava um jogo de palitinhos.

- Nunca tive um jogo de palitinhos. Meus pais nunca me deram um.

De repente houve um alívio. A espada estava apontada para baixo. Teria acabado?

- Alguém poderia bater uma foto minha?

Temeroso, alguém se aproximou, bateu a foto. Talvez isso o acalmasse. Talvez houvesse acabado. Talvez, e foi mais uma rolando pelo chão.

- Quero que todos saibam que eu sou a-ssassino. Entenderam? A tracinho sassino. Quer dizer, eu estou por fora. Aprendi isso outro dia. Onde foi mesmo? Bom, o que eu quero dizer, é que eu não sou um assassino. Mas um a-, ah, acho que vocês não conseguem entender isso!

Espada, espada, o boi mugia lá fora. O desespero era pouco agora, o que era bom, pois tudo parecia mais calmo. É claro que quase todas as cabeças já estavam no chão, olhos arregalados.

- Eu suspeitei desse sujeito desde que ele entrou na sala. Todos são suspeitos!
- Eu já ouvi falar de maluco que entra em cinema atirando na tela. Mas assim...
- E eu que não tive tempo de contar pro meu marido que uma árvore saiu do lugar e bateu no carro dele...

Nisso entrou o moço do cafezinho. Gentilmente o Sr. Dengue o ajudou a entrar, ajeitar tudo sobre a mesa, e depois lhe cortou a cabeça. Esse nem soube o que havia ali. Não teve graça. E o boi mugia.

- Preciso achar esse boi. Olé!
- Viu, eu não disse que é uma espada de toureiro?
- Acho que não é!

Já cansado, o Sr. Dengue cortou as últimas cabeças. Quer dizer, teve um, o palestrante, que ele não cortou a cabeça. Apenas lhe traspassou a espada nas vísceras. Queria fazer diferente, uma outra estética. Ele caiu e ficou gemendo. Satisfeito, o Sr. Dengue resolveu se retirar. Antes teve um enjôo e vomitou ali mesmo. Se soubesse e pudesse, vomitaria na latrina de Duchamp. Era demais para ele ver todo aquele sangue.

- Ah, se eu acho esse boi!

Minutos depois alguém apareceu e viu aquele espetáculo sangrento. Era o Sr. Eliseu. Quase desmaia, mas tomou coragem e viu que havia um com a cabeça e que ainda respirava. Tentou anima-lo.

- Fique calmo! Eu vou chamar ajuda.
- Não me deixe sozinho, por favor!
- Mas...
- Eu não vou agüentar. Me dá um relógio.
- Um relógio?
- Rápido, não tenho muito tempo.

Então, o Sr. Eliseu lhe deu o próprio relógio. O moribundo olhou muito decididamente para os ponteiros. Ficou olhando para o tempo que lhe restava de vida. Quando parou de respirar, podiam-se ver seus olhos brilhando.

O Sr. Dengue desceu as escadas, se foi, ninguém sabe para onde. Na verdade, ele não tinha muita certeza se existia ou não. Enquanto isso, na janela daquela sala, um papagaio pousava e soltava o seu mugido.

Moral da história: A dengue pode matar.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

o poeta azul
reporta um ipê solar
busca na febre o que é o outro
o perdão de futuros roubos
desconhecido familiar
a veemência de chamar o tempo
lapidar um robusto cristal
lazer para o fim dos tempos
uma fluída paixão
virtudes em delações daninhas
em candeeiros jazendo inflamados
a juventude das idéias torpes
amor, falência e danação
surgir como carrasco arcanjo
de quem se imola em devoção as formas
e na falta de pacífica sombra
rivalizar com o sol
um poema não quebra pedras
nem restitui espíritos malogrados
não cura taras, vícios nem credos
não faz ressurgir uma criança
o poema, além de um desvio
é um testamento de defuntas preces
onde assumi-mos diante das feras
a conseqüência de um olhar

Douglas König de Oliveira.
poema neo-dadaísta ultra (pós-moderno)³


batatinha quando nasce
esparrama pelo chão
a menina que namora
não

Douglas König de Oliveira

sábado, 16 de agosto de 2008

Ilusão

Que mais poderia fazer? Não se perguntava, sequer pensava na possibilidade de se interrogar sobre o que fazia. Vazia seria a palavra possível para aquilo que lhe ocorria. Corria às compras, numa alucinante tentativa de satisfazer algo, nem sabendo do próprio vazio. Tudo, quase, observava, pegava, mexia, iludia-se. Que prazer era aquele? Deveria se perguntar, mas estava longe de chegar nisso.

Satisfazia-se com as cores, os odores, e escondia seus pavores, tão bem escondidos que ele nem mais desconfiava que existissem. Enchia o carrinho e, súbito, sentia a angústia se aproximando. Era o momento de ir ao caixa, passar as mercadorias todas, esquecer aqueles corredores de ilusões, pagar, e nem se importava com a conta estourada do cartão, ir embora. Era sempre assim.
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sábado, 9 de agosto de 2008

O tabelionato 2008

um ano se passou e voltamos a esquentar o braseiro das palavras ajoelhados e entoando nossas canções. O mestre atiça os corações para que mente e alma se protejem na hora da forja. Aos poucos, voltamos a nos conhecer e dividir o fruto de nossa arte.