terça-feira, 7 de abril de 2009

Dois prédios



Faz algum tempo, é verdade. Minha amiga costumava chamar-nos a atenção para a colocação do termo ‘rua sem saída’. Ela insistia na subjetividade do tema, defendendo o quão indevida é a expressão. “– A rua acaba; logo, tem fim”, falava gesticulando, como se estivesse liderando uma guerrilha.


Tem coerência a teoria da Marina. É passível de ser praticada. No fundo da rua Vilas Boas, é um fim de fato o que se vê. Ou um início, conforme o ponto de vista. No que se chama de término (ou começo), está localizado o prédio das senhoras, como é conhecido, por seu caráter matriarcal. Dele, os visitantes não chegam muito perto. Contentam-se em apreciá-lo com uma distância de respeito. Porque foi incômoda aquela figura, ou por ser tocante, de certa forma.


No terceiro andar ainda tem uma viga mal posicionada, bem ao lado da janela. O fiel senhor de 60 anos apenas enxerga o lado que não gostaria de ver. Sempre. Porque sempre são três horas da tarde. A abertura que dá para a sacada já lhe trouxe muitas alegrias. Bastava chamar uma vez, para o Alexandre fazer sua imagem aparecer ali. Era jovem, forte e sarcástico, como a vida também lhe foi.


Não foi por falta de aviso que a criança caiu de lá. São quase quatro metros até o solo. Mas os alertas eram em vão. Ela podia ter asas quando quisesse. Repetia como gente adulta. O susto foi grande, mas hoje é motivo de risada nos almoços de domingo. Não tivessem escolhido o primeiro andar para morar, o trauma seria maior. Agora, Joana só vai à varanda para acenar pro avô, que novamente se aproxima. São quatro horas da tarde; tem sombra ali.


O edifício é emoldurado por terrenos baldios projetados para quadras opostas. É grande, opaco; ora cinza, ora branco. E está naquela rua de Marina. A rua sem saída.


Tássia Búrigo

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Tássia!

Adorei o texto. Gostei da fragmentação e das frases que invocam mais sentidos do que o texto abriga.
Afirmo conhecer mesmo esse prédio. As cores,os hóspedes,a paisagem pela tua escrita.

Um abraço e boas letras.

Douglas